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domingo, 28 de dezembro de 2014

Lago

Perdi-me num fato,
e me reconstruí
para além da potência,
desse ato.

E as cores das flores,
se derreteram
na luz dos teus olhos
velados.

Por vezes vi
por olhos inundo,
a água que verti,
tornarem-se nuvens, ao céu noturno.

Mas devo tudo,
ao coro do lago,
à cantoria
de infinitos sapos.

sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

Poema ingrato.

Deu saudade de pontilhar,
na brancura da folha,
um poema.
Estava tudo calado,
o dia nada dizia,
e o passei em branco, sem rima.
Ora, ora, mas que bela menina,
aquela, que vai cá,
nas minhas retinas.
Ah, mas se ela estivesse a passar num outro dia,
nesse não, sem rima, calado,
e em branco, passado.



quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Lua d'oje


Ôia que beleza
a lua que se esgueira,
entre  nuvens voadeiras.

Tão cheia de esplendor
adentra esse oiador,
que só vê, graças ao Senhor.

E o de azul zói,
vê vermeia cor,
no noturno manto, arrebatador.

domingo, 28 de setembro de 2014

Ar morto

Sou distancia e medo de aproximar,
por isso lanço morteiros,
certeiros de nos distanciar.

Para além da cerca que te livra,
do meu farpado amor,
que só sangra, sem dor.
Mortifiquei-me na morfina,
que roubei das papoulas afegãs,
para chupar laranjas palestinas, sem sentir sabor.

E a propósito,
desejo mais um dos teus depósitos,
o meu número traduz-se nesse a-deus codificado.

Resiliência

A nota triste insiste,
em tocar
na alma a lacuna,
que a existência nos dá, por escora.

Sendo aqui ou acolá,
um timbre obscuro
se sustenta no vácuo que se estende,
e ecoa para além da razão.
Menti e chorei por isso,
e para não derreter-me,
converti-me às verdades construídas
sobre a bigorna do tempo arrasador de templos.

E sob o contínuo som que sobrevinha das pancadas,
guiei meu passo, surdo e calado,
e no labirinto,
no mais grave dos silêncios, dancei baião, de um.

sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Os ais de sisi

Ela nasce, desnuda,
sai das profundezas mais obtusas,
e colore o ar com musica.

Sisisisi sis de labutas,
a me tirar do pulso, que só me bate,
e para além da calçada que circunda o bosque,
me avoo em pensares orientais, quão monge em meditação.

E o meu possível nirvana é questionado pelo som dos carros,
pelo burburinho das buzinas que me apitam o passo,
sou agora um bestial descompasso a compor resultados irresolutos,
na aquarela cinza das coisas mal coloridas pelas tintas que saem das notas derretidas.

Pois não, tire essas arvores daqui, plantem carros e mais buzinas;
que fabulosa invenção seria ter de uma maquina uma sombra amiga,
um fruto que madurasse e saciasse a barriga, oh por que não o inventastes ainda?
E os sisisis distanciaram-se, estou a meio passo do esgoto central.



quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Musa

Num aceno de olhos
te admiro,
lanço ao livro teu ar superior,
e num suspiro me aniquilo.

Tu és minha fantasia despida,
trocada por uma outra, usada e desadornada,
como eu, a fantasiar-te louca e decrépita.

Mas toda tolice será aturdida
pela tez do tempo, que sem cara nos é tão caro,
e que te traz aos fracos e embaraçados.

E nisso o Sol ardeu por toda a tarde
que logo de noitinha morreu
sob o velar da Lua que se empalideceu
no áureo frescor de uma manhã sem cor.

domingo, 31 de agosto de 2014

guere-guere

Deu vontade de escrever uma letra pra você.
Uma que fosse colorida e animada,
que ainda não houvesse sido enquadrada
nas vocábulas gaiolas de gramatica.

Cantarolei, e pelo dia a fora jejunhei, conversa,
fui mudo sem mudar o rumo da prosa alheia que fiu-fiuinhava dos galhos.
Sentei-me sobre a areia de um rio que chuava em tons brados,
e meditei sobre as penas entrelaçadas de uma fênix xavante.

E nada vinha pra mão, só o desejo de editar meus sentimentos sobre os olhos teus.
Mas por toda aquela manhã o sol me evaporou as idéias,
que hora mostrando, hora transformando, me fazia ser só sensação,
daí, o querer se transbordou em mantra, e o gosto de saliva tornou-se em totalidade.

E você, minha cara, agora era apenas glote seca.
Opaca na inexistência de um 'eu' que já não pensava sobre as regras
do adeus que a vontade deu por dia estrebuchado em birras inauditas.
Mas para além dessa margem foi a canoa, presa a madeira que a é.

domingo, 24 de agosto de 2014

Peleja

Corta a cunha e crava.
O cabo, escolha com calma.
Daí afia a enxada, e se encoraja,
antes que a via se a-quiçaça
Capina a campina
pois campina capinada
é bom pra pastar boiada.

No ano passado o fogo lambeu,
e o pasto que era do boi
o fogo comeu.

E sem delongas tardeira,
a experiência pede lera.
Terra e paus em a-montoeiras,
barra incêndio quão cerca.
Lava a cara suada
aproveita e beba da água,
pois grande é o campo e longa a jornada.


quinta-feira, 14 de agosto de 2014

segunda-feira, 11 de agosto de 2014

Desvio

O enredo pedia um desfecho
um ponto final, mas tamanho
foi o cismo, que o fim se deu interrogativo.
Para cima ou para baixo, para tudo quanto era lado
o fim estava fracassado.
Não se revelou da folia nem um décimo do bocado,
tamanho era o pavor de se ver acabrunhado,
ou quicá,
comprometido em reinventar um melhor rumo pra'quele
desalinhado fato inventado,
sabe-se lá por quem,
pois não havia outro ser naquelas paragens,
e há anos por ali o nada era a unica paisagem
e ninguém por lá se aprumava,
exceto ele, ele mesmo e ele outra vez, o louco
monge e solitário escritor do Didascálio!

sábado, 9 de agosto de 2014

armação de chuva

fora tão injusto,
primeiro teus belos lampejos
depois seus ruidosos murmúrios

eu caí, mas não morri.
pois não se morre cá, assim,
não na terra dos guris.

chovia só o trovejo, e
como trovadorescos respingos
soluçavam-me intransitivos pingos

sexta-feira, 25 de julho de 2014

variando

no papel quis pôr uma coisa           embrulhei-a em palavras toscas
mas uma coisa não cabia                 pois toscas eram as intenções descritas

tentei escrever sobre algo               antes que me secasse a tinta
mas algo nada me dizia                   pois de mudez padecia

então gritei tão alto quanto podia          dei pernas a lamparina
e despedacei ao peito a vidraria            que antes brilhava ao longe.


terça-feira, 22 de julho de 2014

Encomendas

No prelo, a prazo,
uma dúzia de contos fiados.
ditos e reeditados em papeis dissimulados.

Palavras passadas, por sobre linhas dependuradas,
enfieiradas como piraputangas recém pescadas.
E o rio de águas avermelhadas verdejava.

Prosas, poesias e fadigas horizontais
no febril outono de crepúsculos rosas
que perfaziam as abóbadas dos pantanais.

E por doze léguas se cavalgava
na cacunda do asno adestrado
por entre morros e prados, levando contos encomendados.








domingo, 20 de julho de 2014

trecho escorrido

Fui tanta coisa sem coisa alguma me ser.
Como pode uma coisa ser tantas outras?
Como poderia eu ter sido uma coisa pensando ser tantas outras?
Deveras não sei, penso que sei que sou o tanto que vejo, que não sou.
E esse tanto, que sou, é tão minúsculo que muito pouco vejo, hora turva, hora disturba.
Me esforço, espremo as vistas e preciso da audição, me prendo ao sentido e esqueço a razão.

quarta-feira, 16 de julho de 2014

Nostálgica

Amigos vão,
desvão
encontrar-te-ei
solidão
Quimeras,
quais pontos de interrogações,
luzeiras letras
aluviões

O sol doirava a serra,
a poeira encerrava a espera,
e tu flutuou no crepúsculo,
solene
E no fundo, um pássaro cantou,
como dantes, quando aurora despontou.
Foi deveras belo e ofuscante,
poeira, sol e pássaro cantante.

Mas ainda era dor,
era sensação da memória de tudo que se avoou
para o mais intimo assento,
para esse algo que bombeia na gente
a violência de existir,
sem ter como evitar
a eminência de partir.


quinta-feira, 10 de julho de 2014

questões

Há algum peso que pende para o abissal?
Há alguma vontade que pende para o irreal?
Há algum senso no decorrer do caminho para a morte?

Existe pena de ave na mente do homem que vive a voar?
Existe músculos de rãs no destino dos que morreram?
Existe um vulcão no intestino dos engolidores de espadas?

Se fossem os foguetes balas, furariam o céu?
Se a Lua murchasse, ela cairia, pra qual lado?
Se o Sol pegasse fogo, ele se consumiria?





terça-feira, 3 de junho de 2014

Fui eras...

Fui um pássaro em Istambul
era um franzino falcão negro e azul.
Fui naja no Egito,
era uma escamosa cobra do Nilo.
Fui gato na Pérsia,
era pardo e listrado nas pernas.
Fui também ninguém,
era nada e vivia no além.
Fui tolo de ouro,
era um ambicioso judeu-mouro.
Fui corrente d'água,
era cristalina e delgada.
Fui vulcão em erupção,
era ruidoso como trovão.
Fui cantor em Andaluzia,
era o amor de uma dançarina.
Fui indiano em Portugal,
era do rei um nobre serviçal.
Fui selva fechada,
era escura, fria e solitária.
Fui moita de guatambu,
era o preferido dos índios do sul.
Fui Samaúma,
era encarregada de florar as alturas.
Fui todas as eras dos sonhos infantis que se acham perdidas em algum canto de ser homem.

quarta-feira, 14 de maio de 2014

Samsara aqui, samsara acolá

Em todos os tempos se conjugam os lamentos.
Em todos os verbos há a tinta sanguínea das almas.
Para algum momento, a verdade é um invento que acha senso.

Caminhe, caminhe no ar!
A pedalar sentado sobre o globo que gira a roda.
E atravesse a invisível barreira de ar que lhe sopra a cuca e desvela-te o véu.

Para todos os sonhos apenas um traidor.
Para todas as lutas apenas uma vencedora.
Para algum tempo presente a conclusão pessoal e intransferivelmente real.

quarta-feira, 2 de abril de 2014

Diversão

Como conseguem os grilos, pequenininhos
saltar tão grandes destinos,
falar-me tão alto aos ouvidos?

Será que todo ser miudinho,
de grande estomago desprovido,
imaginam grandes delírios?

Inquiro, inquiro, inquiro,
eu, o leãozinho, enjaulado e sozinho.
Grilo, grilo, grilo, salte-me mais um pouquinho!


                    

terça-feira, 1 de abril de 2014

Linha vermelha.

Cubramos as estátuas públicas!
Da Justiça e de outras mulheres nuas
que à mercê estão em praças, avenidas e ruas!
Antes que as cubram em 'ais' os tarados sociais,
que covardemente se disfarçam de pessoas normais...

sexta-feira, 21 de março de 2014

O sabre.

No outono de 1336, numa viela de Islamabad, Hussein caminhava enquanto enrolava num pedaço de papiro uma porção de especiarias, trazida da Índia por seu primo Salim, o mercador entendido em filosofia grega e mística hebraica, e ao findar a vaga viela e ganhar o largo paço que se abria para o crepúsculo daquele dia, Hussein sentiu um soco em suas costas e viu o seu embrulho tornar-se umidamente vermelho, abaixou um pouco mais a cabeça e viu a ponta de um sabre sair de seu peito, e enquanto suas vistas escureciam ele escutou ao pé de seu ouvido uma voz grave e babenta que lhe dizia: --- Esse escrito é sagrado! 

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Visão

A gente só vê 
o que os olhos sentem
enquanto coisa que o desejo nos dá
a pensar.

Os olhos faceiam
faceira face que passa
na beleza que fica
em cefálica carne viva,
imprimida.

E na imensidão da transparente cortina
os olhos se movem a procurar, no ar,
da beleza a fonte que a jorra sem se mostrar.

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Clarão.

Meu convexo olho, englobo
em côncava abobada, embrulho.
Obtuso senso translúcido, refrativa luz.
Torta curva que desnuda a retidão horizontal.
E as cores se impõem sem ao menos deixar claro
se é ela coisa da coisa iluminada ou, se é ela, a mesma luz que diferente se pinta.